Allan Kardec: entre Comte e Dilthey, ou porque o Espiritismo não é apenas ciência natural

Como era a filosofia da ciência na época de Kardec? Passado o fim do século XVIII, houve um grande entusiasmo com as ciências naturais e um desejo de aplicação de seu método em todas as áreas do conhecimento que o comportassem.

Houve também a retirada dos conteúdos metafísicos, o que gerou uma transformação em métodos e objeto da filosofia da natureza e a fez transformar-se em ciências naturais. Allan Kardec começou a publicar sua obra espírita dentro desse ambiente filosófico-científico.

Como publicasse estudos com Espíritos (pessoas desencarnadas), ele fez experimentos de aplicação do método das ciências naturais, ou de comunicação de estudos feitos com esses métodos, quando havia “fenômenos de efeitos físicos”, como as mesas girantes, a escrita direta, etc.

Todavia, também desenvolveu uma metafísica e fez análises de histórias de vida (e de vida após a morte), análises de base biográfica e análises hermenêuticas das narrativas dos Espíritos, o que vai além do escopo das ciências naturais influenciadas por Hume e Comte.

Quatorze anos após a desencarnação de Kardec, houve uma grande influência do alemão Schleiemacher, que desenvolveu uma hermenêutica geral. Seu discípulo, Wilhelm Dilthey caracterizou os estudos de métodos que se aplicavam às “Ciências do Espírito” (geistwissenchaften), ou ciências humanas, distinguindo-as das ciências naturais, mas considerando-as como conhecimento rigoroso (portanto, ciência).

Parte da metodologia desenvolvida por Kardec para os estudos espíritas pode ser explicada com a ajuda desse segundo grupo metodológico das ciências, que estava em nascimento durante o período em que ele escrevia sua obra espírita.

Passados mais de cem anos da publicação do trabalho de Kardec, vemos como filósofos, antropólogos e psicólogos analisam a filosofia da ciência na obra de Kardec, em propostas curiosamente diversas, dando a entender que selecionaram partes da teoria e da pesquisa espírita, bem como da linguagem disponível empregada por Kardec, para fazer suas análises de uma epistemologia kardequiana.

Esses autores não chegam a conclusões semelhantes, porque utilizam partes dos escritos metodológicos de Kardec e, principalmente, porque não buscam delimitar como Kardec chegou a certas conclusões, que só podem ter sido feitas usando a filosofia (a razão) com base em axiomas ou pressupostos abstratos, ou na análise do que os Espíritos explicavam a ele estar vivendo ou percebendo, às vezes em contradição uns com os outros, exigindo escolhas.

Para explicar isso em termos de epistemologia, seria necessário um conceitual epistemológico que estava apenas em construção durante a elaboração do Espiritismo, então Kardec propôs um conceitual próprio (como controle universal do ensino dos Espíritos) que ficaram no escopo do Espiritismo, não sendo adotada a nomenclatura pelos demais filósofos do conhecimento, nem em sua época, nem depois.

Jáder dos Reis Sampaio, psicólogo. Doutor em Administração pela USP. Professor aposentado da Universidade Federal de Minas Gerais. Tradutor dos livros espiritualistas de Alfred Russel Wallace publicados pelo Instituto Lachâtre. Tem colaborado com outros membros da Liga de Pesquisadores do Espiritismo (LIHPE) na publicação da série “Pesquisas brasileiras sobre o espiritismo” e da coleção “Espiritismo na Universidade”, em parceria com o Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro. Premiado com a homenagem “Amigo da ciência, amigo da Fapemig” pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. Homenageado com o Prêmio ENANPAD pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Administração.

Para sua participação presencial, faça inscrição pelo link bit.do/17-enlihpe. A transmissão on-line vai ser pelos canais do YouTube e Facebook do CCDPE-ECM Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo Eduardo Carvalho Monteiro.

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