Quem lê livros espíritas?

Pesquisa: Quem lê livros espíritas?

Universidade de Brasília (UnB)

Autoras: Ana Claudia da Silva e Verônica Bemvenuto de Abreu e Silva*

Resumo

A pesquisa busca identificar o perfil do leitor brasileiro de livros espíritas baseando-se nos resultados obtidos a partir de mais de quinze mil formulários eletrônicos recebidos de todos os estados do país, distribuídos por meio do aplicativo WhatsApp durante cinco dias.

As questões formuladas seguiram o modelo da 4ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil[1] desenvolvida pelo Instituto Pró-Livro em 2016 (é a última pesquisa realizada).

Os dados obtidos na pesquisa nos permitem traçar o perfil atual da leitora média de livros espíritas: ela tem cerca de 50 anos, nível superior e renda entre cinco e dez mil reais; gosta de comprar livros que depois da leitura ornam suas estantes particulares. Essa leitora lê principalmente para obter conhecimentos, é estudiosa e praticante da Doutrina dos Espíritos, o que lhe traz também consolação e conforto.

Embora as leitoras sejam em número muito superior aos leitores, temos mais autores e médiuns do sexo masculino que autoras e médiuns femininas

Livros como fontes do conhecimento espírita

Parte de hipótese de que o leitor espírita busca nessa literatura conhecimento e consolação, o que não deixa de ser verdade, mas apenas em parte, pois a maioria dos leitores se contentam em ter um entretenimento superficial com informações pouco interconectadas.

Relato da Ana, uma das autoras, afirma que seu interesse pela literatura espírita ocorreu, “não só porque a leitura de romances espíritas, especialmente os canônicos, seja recomendada pelos instrutores como fonte de conhecimento sobre a Doutrina Espírita”.[grifos nossos]

Esse pensamento de ler qualquer livro espírita e achar que com isso está consolidando o seu conhecimento doutrinário pode resultar em um grande número de pessoas que acreditam conhecer bem o espiritismo.

O depoimento de Verônica revela o lado emocional que talvez seja o motivo do sucesso dos romances espíritas:

O papel da arte – e consequentemente da literatura –, para mim, sempre foi o de emocionar. Se a obra não comove, ela não cumpre seu papel. Há algo nos romances mediúnicos que mexe comigo enquanto leitora, principalmente nos momentos difíceis pelos quais passei. A proposta do espiritismo é consolar, e encontrei conforto em sua literatura sempre que a procurei.

Identidade do leitor de livros espíritas brasileiro

Seguindo às características já identificadas pelos últimos Censos do IBGE, o público leitor espírita apurado nessa pesquisa está na faixa etária de 51 a 60 anos, com maior escolaridade e renda. A maioria dos sujeitos se declarou como sendo do gênero feminino (64,7%), raça branca (63,3%) e parda (27,1%).

Hábitos e preferências do leitor de livros espíritas brasileiro

Perguntado: Como você tem acesso aos livros espíritas? Responderam que preferem comprar (90,9%).

Quando indagada sobre a frequência de leitura, 29,65% das pessoas afirmaram ter lido pelo menos um livro nos últimos três meses. A maioria dos sujeitos (31%), porém, afirmou que lê de três a quatro livros anualmente.

O suporte de papel impresso é preferido para leitura (93,3%) do que o digital.

Leitores espíritas

Lendo a pesquisa, a pergunta natural que surge é: os espíritas já eram leitores ou se tornaram? Provavelmente passaram a ser depois que ingressaram na Doutrina. Isso produziu um consumo maior de livros do que a média brasileira de 2,43 livros lidos por inteiro por ano.

Mesmo maior, ainda é um número modesto, mas até que não muito, considerando que os dados do Indicador Nacional de Alfabetização Funcional (INAF) apontam que 27% dos brasileiros que concluíram o ensino fundamental são analfabetos funcionais, que apenas 23% dos brasileiros dominam a leitura e tão somente 8% possuem plena compreensão do que leem.

Essa constatação pode significar que os leitores espíritas tenham dificuldade de entender parte dos livros, não absorvendo o conteúdo mais complexo e suas interligações e isso facilita a interpretação equivocada e o sincretismo.

Segundo a Pesquisa para Espíritas 2018, 34,2% dos espíritas leram 3 a 5 livros em um ano, 20,5% 6 a 10 livros e acima disso 23%.[2]

Romances espíritas

Não são vistos como simplistas, próprio da literatura popular, mas “(…) revelam estruturas bem amarradas; personagens redondas que evoluem e se transformam ao longo da narrativa, em cujas consciências o bem e o mal encenam avanços e recuos morais; enredos complexos cujo clímax revela-se epifânico.”

Destaca a afirmação que “o Espiritismo é a terceira revelação da lei de Deus”, o que traria um aspecto inovador, embora a pesquisa não tenha abordado que a palavra “revelação” pode evidenciar o seu sentido teológico levando a uma concepção fortemente religiosa, e, não, o entendimento mais simples e direto de processo de transmissão de informações.

Entre as obras literárias lidas pelos sujeitos, o gênero romance supera os demais que, mesmos somados, não alcançariam o índice das leituras romanescas. Essa questão corrobora a pergunta seguinte, sobre a motivação da leitura de livros espíritas. A maioria das pessoas (64,5%) afirma que lê para aprender, conhecer e estudar a Doutrina Espírita; outros estão em busca de reforma íntima, crescimento pessoal, consolo ou conforto.

Mercado editorial espírita

A pesquisa cita estudos de Wilson Garcia[3] e destaca que vem crescendo ao longo dos anos, consolidando-se na década de 1990, quando “a ideia do produto barato e de apresentação simples já não mais se sustentava frente às novas realidades”, como na “era romântica” de divulgação de livros editados principalmente pelas editoras das federações espíritas estaduais e pela nacional, a FEB. A profissionalização desse ramo editorial trouxe certo embaraço aos empresários e ao público leitor:

Ações agressivas de marketing num mercado acostumado a uma espécie de caridade e desprendimento geram reações de desconforto; campanhas publicitárias planejadas segundo os princípios da persuasão e da sedução ocasionam constrangimentos, mas vão convencendo um público acostumado às mensagens pagas de uma cultura de consumo na qual foram educados.

A matéria deixou de indicar importante entrevista com Wilson Garcia realizada em 20/12/2018 com o título: O mercado editorial espírita comporta o idealismo doutrinário?[4] Ela ajuda a entender melhor esse tema.

“Vale acrescentar que as editoras espíritas, para sobreviverem, devem cumprir as exigências do sistema e do mercado, mas não devem seguir o comportamento ético do lucro pelo lucro, nem adotar os modelos desenvolvidos que não observam uma ética mínima de respeito ao ser humano e à sociedade. ”

Veja quadro resumo de outra pesquisa não citada sobre o assunto:

Mercado Editorial Espírita 2017[5].
Títulos de livros espíritas comercializados em 2017 foram 8.407, com 181 editoras espíritas e 3,3 milhões de livros vendidos. 1691 autores de livros espíritas, desses, 434 autores médiuns.
Todos os livros de Kardec de todos os tradutores editados pela Feb totalizaram 13.001.800 até 2017 e as 88 obras de Francisco Cândido Xavier tiveram a produção acumulada de 21.658.050.
As maiores editoras espíritas em número de títulos publicados são: EME 561, FEB 515, IDE 312, Farol 237 e Lúmen 223.
O preço médio dos livros espíritas foi R$ 27,58. Valor três vezes maior que a média dos livros Religiosos (R$ 9,15), aferidos pela CBL – Câmara Brasileira do Livro em 2017. O preço médio dos livros de Kardec ficou um pouco abaixo: R$ 26,85 e dos livros da Codificação foi de R$ 24,37.
Autores e Médiuns com mais livros em 2017 foram: Francisco Cândido Xavier (503), João Berbel (232), Divaldo Pereira Franco (221), Carlos A. Baccelli (162) e Allan Kardec (114) considerando as diferentes traduções.  

Embora atraia também leitores não espíritas, essa literatura constitui uma parte importante do sistema de socialização e aprendizado dos espíritas. Juntamente com o exercício da caridade, a prática do estudo é fundamental para o processo de sociabilidade e apreensão de conhecimentos no espiritismo, fazendo com que a pessoa que não possui o hábito da leitura comece a desenvolvê-lo a partir da leitura de livros espíritas.

Influenciadores na escolha dos livros

Inspiradas na pesquisa Retratos da leitura no Brasil (Amorim, 2008), resolvemos indagar ao nosso público quem são as pessoas que mais influenciam na escolha dos livros.  Os amigos são os maiores influenciadores na escolha dos livros (39,5%), seguido de pais ou parentes (20,9%). Os líderes religiosos ocupam o terceiro lugar desse ranking, com 17,9% das respostas, enquanto 14,2% dos sujeitos afirmam que não seguem senão a si mesmos na escolha dos livros espíritas que leem.

Livros espíritas

Dentre as obras relatadas como leituras literárias em curso no momento da pesquisa figuram os romances “Paulo e Estevão” (Emmanuel, 2012) com 419 votos; seguido de “A caminho da luz” (Emmanuel, 2013), com 316 votos. Em terceiro lugar “Os mensageiros” (André Luiz, 2017), com 249 menções, em quarto lugar, com 219 votos surge “Nosso lar” (André Luiz, 2012) e, em quinto “Boa nova” (Humberto de Campos, 2017), com 158 indicações.

As obras básicas da codificação espírita, não literárias, tiveram conjuntamente 2.403 votos, mostrando a preferência pela sua leitura em detrimento da leitura de romances. Isso se deve ao fato de que os espíritas são instados a desenvolverem a leitura da Codificação Espírita durante sua fase de formação, a qual dura entre três e cinco anos, na maioria das casas espíritas. Outras 2.065 pessoas declararam não estar lendo nenhum livro espírita na ocasião.

Autores espíritas.

Entre os autores mais admirados figuram, tanto os autores de fato (espíritos), como os médiuns psicógrafos, cuja fama “adere” ao título das obras, levando os leitores a confundir as duas funções.

O médium mineiro Chico Xavier está na liderança isolada entre os autores espíritas admirados pelos leitores (4.086). Em segundo lugar o seu mentor espiritual, Emmanuel com 2.207 menções e em terceiro lugar, o médium baiano Divaldo Franco, com 1.334 votos. A pesquisa destaca a predominância de nomes masculinos na memória afetiva dos leitores.

Conclusão

É um trabalho bem executado, nos moldes acadêmicos que retrata parte da realidade do movimento espírita e deve ser conhecido pelos seus adeptos e simpaticantes, especialmente, os voluntários, dirigentes e influenciadores digitais.

Por Ivan Renê Franzolim*

São Paulo, SP

*Ivan Renê Franzolim é formado em Administração de Empresas com especialização em Marketing de Serviços pela Fundação Getúlio Vargas e pós-graduado em Comunicação Social pela Faculdade Cásper Líbero. Autor de vários livros e responsável por pesquisa sobre o movimento espírita em nível nacional.


[1] http://prolivro.org.br/home/confirme

[2] https://franzolim.blogspot.com/search?q=Esp%C3%ADritas+2018

[3] https://www.expedienteonline.com.br/nossas-editoras-entraram-num-caminho-comum-e-agora/

[4] [4] https://www.expedienteonline.com.br/o-mercado-editorial-espirita-comporta-o-idealismo-doutrinario/

[5] https://franzolim.blogspot.com/search?q=mercado+editorial

*http://www.scielo.br/pdf/elbc/n57/2316-4018-elbc-57-e5718.pdf

One thought on “Quem lê livros espíritas?

  1. Parabéns pelo trabalho!
    Uma pesquisa que me interessaria conhecer é quanto ao estudo sistemático do Espiritismo nos centros espíritas.

  2. Vi as pesquisas que estão sendo publicadas no nosso site e achei excelentes…São dois ótimos articulistas…Se me permitem uma observação…Particularmente, quanto à Pesquisa de nosso amigo Ivan Franzolin, vê-se no campo da “identidade do leitor de livros Espíritas brasileiro”, que “Seguindo as características já identificadas pelos últimos Censos do IBGE, o público leitor espírita apurado nessa pesquisa está na faixa etária de 51 a 60 anos, com maior escolaridade e renda. A maioria dos sujeitos se declarou como sendo do gênero feminino (64,7%), raça branca (63,3%) e parda (27,1%)”. Corretíssimo…Mas, no meu caso que acompanho o Movimento Negro e digo que, certamente, seria observado por pessoas ligadas a esse grupo social e engajadas nesse Movimento de Defesa e em prol da Igualdade Racial que … se foram citado os percentuais da raça branca e dos pardos, teria sido importante apontar o percentual do público leitor que se autodeclara como pretos. Não se trata de discutir os números, mas de assegurar uma isonomia ou um idêntico espaço para divulgação de dados relativos à raça negra, ou pretos, como melhor definido, nas atuais classificações. Isso é uma das grandes pautas do movimento racial no mundo, na defesa dos direitos dos pretos. Não é uma crítica…É só uma sugestão, considerando que se trata de publicação num órgão de Cultura. Ademais a pesquisa é irrepreensível e importantíssima. Parabéns aos articulistas e ao editor

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