Vinícius Lima Lousada
Publicado na revista digital Dirigente Espírita, #202 – setembro/outubro 2024
Arme-se a vossa falange de decisão e coragem! Mãos à obra! O arado está pronto; a terra espera; é preciso que trabalheis.1 – Erasto
Introdução
No presente artigo trazemos, inicialmente, uma breve descrição sobre as bases do trabalho de união e unificação lançadas por Allan Kardec ao propor, em a Revista Espírita do mês de dezembro de 1868, um esboço organizacional para o Movimento Espírita em seu tempo. Nele encontramos um programa de trabalho que compreendemos ter desdobramentos e efetividade também nos labores de União e organização do Movimento Espírita Brasileiro desenhados no Congresso Brasileiro de Unificação (1948) que, por sua vez, contribuíram para a criação do Pacto Áureo (1949). Partimos do pressuposto de que o trabalho de união e de unificação constitui-se em uma atividade meio para que o Movimento Espírita atinja, de forma inteligente, os seus fins de estudo, prática e difusão do espiritismo.
1. Da Constituição Transitória do espiritismo: bases do trabalho de união e unificação
Allan Kardec, em seu artigo “Constituição transitória do espiritismo” publicado na Revista Espírita de dezembro de 1868, atribuiu ao Comitê Central responsabilidades principais no interesse da Doutrina Espírita que, ao nosso ver, estão na base do trabalho denominado como de União e de Unificação do Movimento Espírita. Nos dias de hoje as Federativas Estaduais, no seu escopo de competências, bem como a Federação Espírita Brasileira e o Conselho Federativo Nacional, considerando o seu círculo de atuação, vem materializando cooperativamente na senda do Movimento Espírita parte significativa deste ideal e, do mesmo modo, o vem fazendo o Conselho Espírita Internacional (CEI).
Pessoalmente, vemos o Movimento Espírita como uma rede de instituições que se unem em torno de propósitos convergentes para com a missão regeneradora do espiritismo que, em regime de trabalho colaborativo entre as unidades desta rede, desenvolve um conjunto das atividades mais ou menos articuladas e sinérgicas entre si que, por sua vez, objetivam o estudo, a divulgação, a prática e a vivência moral da Doutrina Espírita, contida nas obras de Allan Kardec, colocando-as ao alcance e a serviço de toda a Humanidade.2
Nesse sentido, essas instituições e pessoas vêm desenvolvendo a manutenção, consolidação e os laços de fraternidade entre os adeptos do espiritismo, como pensava o mestre Allan Kardec, naturalmente, em condições históricas e entre circunstâncias evolutivas que nos são próprias.
As principais atribuições elencadas pelo mestre ao Comitê poderiam ser assim resumidas e classificadas, segundo o seu caráter:
1) Doutrinárias: zelo pelos interesses do Espiritismo e sua propagação; compromisso com a unidade, integridade e aplicação dos princípios da Doutrina Espírita; estudo de novos princípios, exame e apreciação de publicações de interesse à Doutrina e refutação a ataques; publicação das obras fundamentais e ensino espírita.
2) União e Unificação: cuidado com os laços de fraternidade entre os adeptos e as sociedades; visitação e instrução das reuniões e sociedades que se colocassem sob seu patrocínio; convocação de congressos, assembleias gerais e correspondência.
3) Administrativas ou sociais: gestão de documentos e informações que possam interessar ao Espiritismo; direção da Revista Espírita; gestão de biblioteca, arquivos e museu; caixa de socorro, do dispensário e da casa de retiro; administração dos negócios materiais e direção de sessões da sociedade.
Ao que nos parece, a expectativa de Kardec, com essas atribuições aqui resumidas, era que fossem compartilhadas entre os membros do referido Comitê, conforme as suas especialidades, devendo os mesmos serem apoiados por outros companheiros nos trabalhos específicos adotados.
Quando olhamos esse quadro, com o devido respeito aos movimentos da História, sempre complexos e de uma amplitude que não somos capazes de abarcar com riqueza de detalhes, nos recordarmos da atual perspectiva do Movimento Espírita, conduzido pela Federação Espírita Brasileira (FEB) através do Conselho Federativo Nacional (CFN) e vislumbramos nele muitos elementos das sementes lançadas por Allan Kardec para o trabalho de união e de unificação.
Hoje, as nossas federativas têm seu norte de planejamento e dinamização para a ação articuladora do Movimento Espírita, em sua região, no Plano de Trabalho do Movimento Espírita Brasileiro – FEB/CFN (2023-2027) 3, documento construído por muitas mãos e configurado de modo que o nosso movimento doutrinário atinja as suas finalidades de estudo, prática e difusão do Espiritismo a partir de diretrizes orientadoras.
Essa dinâmica, além de seus ascendentes espirituais relativos aos deveres do Movimento Espírita Brasileiro para com os destinos do Consolador em nossas terras, nos remete aos anos 40, do século passado, a dias que anteciparam o denominado Pacto Áureo.
Plenário na abertura do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita.
2. Do Congresso de Unificação ao Pacto Áureo:
Em 1948, os companheiros de São Paulo propuseram, através da Diretoria Executiva da USE, um plano de trabalho que foi remetido às Federativas Estaduais, que não demorou em ser referendado pelas mesmas para efeito de imediata execução. O plano de trabalho proposto previa a realização de um Congresso de caráter nacional que trataria dos seguintes assuntos:
1º — A Unificação do Espiritismo nos Estados. Planos de Execução.
2º — A Unificação do Espiritismo Nacional. Sistema a adotar.
3º — Estudo de problemas de interesse fundamental e urgente para a marcha do Movimento Espírita Nacional.
Tal congresso foi efetivado de 31 de outubro a 5 de novembro de 1948, com a adesão de 15 estados brasileiros. De nosso ponto de vista, o aspecto central estava no item segundo do plano que preconizava, conforme os Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita (USE):
“A necessidade da existência de um organismo representativo nacional é atualmente ponto pacifico e por todos reconhecida. Com tal providência o espiritismo nacional ganhará unidade e poderá apresentar-se em boas condições e com autoridade suficiente, no cenário internacional.” 4
Observemos que este tópico, polêmico para alguns corações e necessário para outros foi um “ponto de mutação” para a dinâmica no movimento espírita nacional, que culminaria, no ano seguinte, com a assinatura do Pacto Áureo, um inédito viável a se efetivar paulatinamente nos corações dos espíritas brasileiros. O foco era a busca pela unidade e hoje identificamos que este organismo nacional de caráter representativo está estruturado plenamente no Conselho Federativo Nacional, sob os auspícios da Federação Espírita Brasileira.
A delegação gaúcha, no referido Congresso, contava com a presença dos companheiros Ten. Cel. Roberto Pedro Michelena, Marcírio Cardoso de Oliveira, Dr. João Pompílio de Almeida Filho e Francisco Spinelli e nele foram apresentados 12 trabalhos. A tese aprovada em 1º lugar foi a da Federação Espírita do Rio Grande do Sul (Fergs) que versava sobre o trabalho de União e de Unificação e, segundo o relato dos Anais, fazia crítica elevada da organização do movimento espírita à época, apontando limites e propondo a criação de um organismo nacional coordenador das atividades espíritas que, naquele momento, seria a Confederação Espírita Brasileira. Segundo a tese defendida, tal órgão teria por tarefas:
1. Congregar as Federações Estaduais.
2. Representar o espiritismo no Brasil.
3. Assegurar-lhe ampla liberdade prevista na Constituição do País.
4. Dar-lhe a necessária diretriz político-social.
5. Organizar e desenvolver a propaganda doutrinária por meios modernos e eficientes.
6. Arregimentar e educar, moral e fisicamente, a Mocidade Espírita.
7. Propugnar o Ensino, em todos os seus graus, sob a luz dos postulados evangélicos e kardecistas [Expressão utilizada no documento].
8. Incrementar obras de assistência social, obtendo-lhes recursos dentro e fora do meio espírita.
Mais tarde, em 5 de outubro de 1949, foi firmado o Pacto Áureo, proposta que vinha substituir o projeto apresentado em tese no Congresso, mas que atendia, conforme os seus signatários, as demandas de união e fraternidade almejadas entre os espíritas do Brasil, sob a direção da Federação Espírita Brasileira. E foi a partir da publicação de seu texto que restou criado o Conselho Federativo Nacional5, órgão de caráter permanente e com a finalidade, prevista em ata, de executar, desenvolver e ampliar os planos da organização federativa.
Plenário no encerramento do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita.
Conclusão:
Compartilhamos uma perspectiva da assinatura do Pacto Áureo como uma celebração de esforços em comum pela difusão do espiritismo, uma ação que, eivada de autêntico espírito de fraternidade em nossa seara, nos permite hoje, na esfera de atuação das federativas estaduais e dos centros espíritas, orbitarmos em torno de um Plano de Trabalho para o Movimento Espírita Brasileiro CFN/FEB (2023-2027), construído no âmbito do Conselho Federativo Nacional, em ação comum e impessoal, ou seja, realizada em equipe, sem primazia ou subordinação de uns para com os outros, pautado na solidariedade, na cooperação e na fraternidade cristã.
Por fim, diante dessas considerações, deixamos o leitor com a recomendação de Bezerra de Menezes, em comunicação compartilhada ao final dos anos 80 na Revista A Reencarnação:
Mantenham a certeza da necessidade da unificação, partindo-a das bases da união pessoal, da qual defluem as características unificacionistas das entidades e do movimento em geral. Uma casa dividida rui. Uma obra fragmentada não resiste. Enquanto não resolvermos por preservar o patrimônio do Espiritismo, conforme o recebemos das entidades venerandas e do insigne Codificador, conforme chegou até nós, estaremos sujeitos a perturbações e a desídias. Bezerra de Menezes.6
Exposição de Carlos Jordão da Silva
Referências
1 KARDEC, A. O evangelho segundo o espiritismo (p. 263). FEB Publisher. Edição do Kindle, Cap. XX, item 4.
2 BARBIERI, M. E.; LOUSADA, V. L. O paradigma de rede e o movimento espírita. In: Barbieri, M. E. (org.). União e unificação: caminhos para a humanidade. Porto Alegre: Fergs, 2018.
3 Fonte: https://www.febnet.org.br/portal/wp-content/uploads/2019/07/WEBPlanodeTrabalho.pdf.
4 USE. Anais do Congresso Brasileiro de Unificação Espírita. São Paulo: USE: 2018, p. 14. Acessível em: https://usesp.org.br/wp-content/uploads/2020/02/anais_1_congresso.pdf.
5 FEB/CFN. Orientação aos órgãos de unificação. Antonio Cesar Perri de Carvalho (org.). Rio de Janeiro: FEB, 2010, p. 126.
6 FRANCO, Divaldo. A necessidade de unificação. Ditado pelo Espírito Bezerra de Menezes. In: FERGS. Revista A Reencarnação n. 403. Porto Alegre: Fergs, 1989, p. 6.