Mediunidade sem Estudo: Consequência do tempo inaplicado

Edson Roberto do Amaral [1]

Resumo…

Inspirado no vídeo “Mentor de TikTok” [2], – que é uma bem-humorada sátira [3], produzida pelo Grupo AmigosdaLuz e tem em destaque o trabalho dos mentores espirituais – o presente artigo se apresenta como uma proposta reflexiva, daquela sátira, e nos leva a pensar nos “mentores” de improviso. Realmente, uma sátira na acepção da palavra, porque “faz rir!”, mas não é ao riso que o bom senso nos lança, e sim ao estado da arte em que a arte, em si, é só um meio para se alcançar o principal: o fundo moral. O fundo moral de uma apresentação em que o riso passa e só quando ele passa é que se reflexiona sobre as consequências ético-moral, que transcendem ao humor. E é justamente quando a isto nos propomos que o fundo moral nos remete, por exemplo, ao grande filósofo Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) e nos faz pensar se “a arte imita a vida” ou como dizia o escritor e dramaturgo irlandês, Oscar Wilde (1854-1900) “a vida imita a arte, mais do que a arte imita a vida”. Muito mais do que mera elucubração filosófica, em Mentor de Tik-Tok, espera-se que indo, além do que faz rir, no bem criativo vídeo, enxergue-se a grande verdade das muitas ilusões que ainda alimentam os corações adormecidos nas fantasias. Vivemos num mundo intenso e cheio de grandes transformações, onde a realidade da vida, nem sempre traz o colorido dos espetáculos, em que em meros instantes, “sapos viram príncipes” e “sapatinhos fazem princesas”. Tudo tem que ser rápido e o tempo perdeu valor. Nada que dure mais do que 2 ou 3 minutos ou que tenha mais de meia folha prende a nossa atenção. E é assim que, no relógio da vida, passam bem mais do que horas, dias e anos. Passam experiências! E passam celeremente, sem que, muitas vezes, nos apercebamos da sua importância e de que, na instância do Espírito imortal, a verdadeira felicidade se constrói a partir da qualidade no que fazemos e não do quanto fazemos. Por vezes, tardiamente, constatamos que, nas bases do conhecimento espírita sobre a mediunidade, quando falta o estudo suficiente e na qualidade desejável, invariavelmente, fragilizam-se as convicções e abrem-se alas para os mentores de improviso.  

Palavras-Chave: Mediunidade; Estudo; fantasia e realidade; e os mentores de improviso

Não mais que dez minutos e não mais que cinco páginas… é tudo que necessitamos para analisar o fundo moral que se levanta do vídeo “Mentor TikTok”, em face do que nos aconselha o Espírito São Luís, em mensagem por ele subscrita em O Livro dos Médiuns: Por mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos dirigentes de vossos trabalhos, há uma recomendação que nunca seria demais repetir […] a de pesar e analisar, submetendo ao controle da razão todas as comunicações que receberdes…” [4] (gn).    

Diga-se de antemão que o uso do humor na exposição espírita pode parecer como misturar o “divino” com o profano, mas não nos parece bem assim. Cada vez mais, determinadas características que emergem nas relações sociais convidam-nos ao aproveitamento de novos modelos de comunicação. São novas dinâmicas que o tempo cuida de trazer para relação ensino-aprendizagem e que, neste caso, não só se inserem na característica progressista do Doutrina Espírita como nas instruções recebidas por Allan Kardec, quando ele idealizava a implementação da Revista Espírita: “deves cuidar de […] reunir o sério ao agradável: o sério para atrair os homens de Ciência; o agradável para deleitar o vulgo” (gn).[5] Instruções que – como assinala Nestor João Masotti, então Presidente da Federação Espírita Brasileira – foram escrupulosamente observadas pelo Codificador.    

“Mentor TikTok…” assim o denominou o autor desse vídeo, bem criativo, e que cumpre o seu papel, pois, realmente, faz rir; mas espera-se que, à margem do seu aspecto cômico, consigamos transcender as aparências e enxergar a grande verdade que se levanta, através daquela construção artística, quando aplicamos seu fundo moral no campo do exercício da mediunidade, na ciência Espírita, também chamada de Espiritismo Experimental.  

Aqui – a título de uma provocação reflexiva – valemo-nos do recurso da analogia para dizer que o Tik-Tok da denominação, bem poderia ser o Tic-Tac do relógio. O tic-tac do “relógio da vida” em que nossos mentores – os verdadeiros mentores – realmente, muitas vezes, aguardam, com amorosa e operante paciência, o despertar de nossa consciência.

Um “relógio da vida” que nem adianta e nem atrasa. Um relógio em que a ação intercessora de nossos benfeitores espirituais nem se faz precipitada e nem atrasada. Um “relógio” em que a vida passa, celeremente, sem muitas vezes nos apercebemos da importância do tempo. O tempo transcorrido e as oportunidades perdidas, nas fantasias e nas ilusões da vida.

“Não vi o dia passar”… “Não vi a semana passar”… “Não vi os meses”, os anos” – Quantas vezes dissemos isso ou ouvimos de alguém?

Uma frase usual para dizermos que, na verdade, em meio a tantas demandas e experiências não vimos o tempo, porque situamo-nos num momento sociocultural caracterizado por incontáveis inovações, e pressionamentos delas decorrentes.

Tudo é novo, ou adaptado para parecer novo!

Novos tempos, novas palavras, novas expressões, novos comportamentos e, principalmente, novas expectativas. E uma Nova Era é o anseio de muitos.

Infelizmente, muitos vivem mais de expectativas do que da realidade.

Por certo que aqui nesta reflexão não é o trabalho dos mentores que mais nos importa, nem se podemos resistir à reencarnação, como artisticamente colocado pelo autor. O que realçamos é o fundo moral que desborda da comicidade desse vídeo-post.

E nesse viés parece-nos que, talvez, por decorrência de uma equivocada interpretação do significado do tempo e dos objetivos de tantas inovações, passamos a acreditar num mundo em que a realidade objetiva (do homem) nubla as necessidades subjetivas (Espírito). E é aí que o ter, parece mais importante do que o ser.

Um mundo em que, cada vez mais, o que o importa para a, transitória, jornada reencarnatória, é o “fazer mais em menos” tempo. É como se tudo resumisse (mesmo para os espiritualistas) ao que fazemos entre o nascer e o morrer.

E sob essa premissa vemo-nos sob uma certa “coação” social que nos leva a simplificar tudo – mesmo o que não convém – e, por consequência, nada que dure mais do que 2 ou 3 minutos ou que tenha mais de meia folha prende a nossa atenção.

Cada vez mais o importante é o quanto nós conseguimos fazer no menor tempo possível.

Mas, cremos na propriedade de aproveitarmos esse instante da sua atenção para lembrarmos o princípio básico de que, quando falamos de Ciência, esta se regula, em especial, pelo fator qualidade e segurança, o que, comumente, demanda tempo: para se dedicar à aquisição do conhecimento (estudo), para aplicar o conhecimento, para analisar as experiências, para desenvolver as ideias e, principalmente, para aperfeiçoar as ações [ou o produto das ações].

E na ciência Espírita não é diferente!

A qualidade do estudo e a segurança do conhecimento são produtos dos reiterados esforços para destruir as ilusões e levantar a Verdade.

Allan Kardec dizia que o Espiritismo é ao mesmo tempo uma “ciência de observação e uma doutrina filosófica”, [6] que tem o estudo regular e contínuo como princípio elementar para solidez da cultura espírita. E sendo assim, a pressa na construção do conhecimento espírita, cedo ou tarde, demonstra que, nos momentos dos grandes testemunhos da Fé raciocinada (como os que se apresentam nas mortes coletivas decorrentes das grandes catástrofes, das guerras e das pandemias), nem todos se revelam suficientemente seguros e fortalecidos – mesmo dentre os adeptos do Espiritismo.  

Mas poderíamos nos perguntar: Onde vamos encontrar a raiz desse problema?

E responderemos: Nas bases!

Nas bases onde deveríamos ter aprendido a importância do tempo e o aproveitamento do tempo, que, na instância do Espírito Imortal, constrói a sua felicidade, muito mais pela qualidade no que faz, do que pelo quanto faz. E como dizia Léon Denis: “as mais altas verdades às vezes se desnaturam e obscurecem… [e] conforme o lugar onde cai continua sendo pérola ou se transforma em lodo”. [7]

Em verdade, quando nas bases falta o estudo suficiente e na qualidade desejável, invariavelmente, ocorre uma falsa percepção de “suficiência do conhecimento” que se tem. É assim que surge uma falsa percepção de segurança na aplicação do conhecimento Espírita, e como resultado uma fragilização das convicções que, em alguns casos, alcança a própria Fé. E quando tal se dá, não raro, não se resiste diante da intensidade de certas provas e expiações.

Triste nos é reconhecer que, em grande parte, essa fragilização decorre, simplesmente, do fato de que muitos dos “mais velhos” se dizem cansados; muitos dos de “idade mediana” se revelam desmotivados e muitos dos “mais jovens” se dizem sem tempo – para se dedicar ao Estudo Espírita.

Mas, se não encontramos tempo para nos dedicarmos aos estudos [que iluminam nossa consciência], menos ainda encontraremos para nos dedicarmos à reforma íntima e à reforma moral.

E neste cenário, meus amigos, perguntaremos: Como passaremos pelos tempos difíceis das amargas provações e das grandes transformações na humanidade? 

Talvez, seja tempo de parar e pensar se estamos dentre os que passam os dias se deliciando com o que diverte [e faz rir], como fuga da realidade, ou como os que choram, mas encaram a realidade e têm a coragem de reconhecer as grandes necessidades espirituais, que ainda adormecem em nosso ser.  

Uma coisa nos parece fato: cansados, desmotivados e sem tempo (para o Espírito), não há cenário promissor de felicidade no futuro próximo!

Cremos que o futuro de glórias ou de tempestades só depende das nossas escolhas. As escolhas de quem, ainda, apenas quer rir, “abraçado” com as fantasias, ou aceita chorar, “abraçado” com a Verdade!

Cremos, ainda, na máxima propriedade do que nos assevera o apóstolo João ao nos recomendar em seu Evangelho: “buscai a verdade e a verdade vos libertará” [8].  Por certo que, em muitos casos, a verdade não faz rir, faz chorar; mas é exatamente disso que se levanta uma das mais esperançosas promessas de Jesus quando diz: “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”. [9]

Portanto, Tik-tok, para sátira… ou tic-tac, para o “relógio da vida”…, realmente, o tempo está passando, e passa celeremente na trajetória evolutiva! E uma coisa é fato – e fato demonstrado diuturnamente nos depoimentos que os Espíritos nos trazem nas reuniões mediúnicas: o Espiritismo Experimental, sem estudo sério, faz-nos crer em mentores de improviso, tanto quanto num mundo irreal, em que as fantasias fazem rir e a realidade faz chorar.

Os espetáculos da vida transitória admitem improvisos… mas o exercício da mediunidade, jamais!

E assim concluindo, ainda ficamos com a sabedoria do grande filósofo Aristóteles para dizer que “a arte (imperfeitamente) imita a vida (do Espírito)”… onde por traz de muitos risos, por vezes, escondem-se amargas verdades. E no exercício da mediunidade, no seu viés espírita, a mais amarga das verdades nos remete às consequências das experiências mediúnicas sem o conhecimento necessário.

Amargas consequências!

“Muitíssimos espíritas e médiuns, em consequência da falta de método e de elevação moral, se tornam instrumentos das forças inconscientes ou dos maus Espíritos” [10] (gn) – diz Léon Denis, absolutamente alinhado com a sábia advertência de Allan Kardec: “as experiências feitas com leviandade e sem conhecimento de causa (entenda-se sem estudo sério e suficiente) provocam péssima impressão nos principiantes ou nas pessoas mal preparadas (…) [daí] A ignorância e a leviandade de certos médiuns têm causado enormes prejuízos na opinião de muita gente”. [11] (gn)

E é assim que surgem as aberrações (nas práticas Espíritas) que, invariavelmente, trazem a chancela dos mentores de improviso e dos médiuns de ocasião, que derrubam os mais nobres projetos espirituais na Terra. Mentores de improviso que pululam no mundo espiritual à espreita de oportunidades, junto à mediunidade sem estudo. E sempre sobrarão mentores de improviso toda vez que subestimarmos a segura recomendação doutrinária dos Espíritos Superiores, que tanta ênfase lhe reservou Allan Kardec:

Por mais legítima confiança que vos inspirem os Espíritos dirigentes de vossos trabalhos, há uma recomendação que nunca seria demais repetir […] a de pesar e analisar, submetendo ao controle da razão todas as comunicações que receberdes…” [12]

Portanto:

Não existem Mentores de improviso e Mediunidade sem Estudo, sem análise, sem o controle da razão e alimentada na cega credulidade: é uma tragédia anunciada… é tempo desperdiçado em que “as fantasias (da vida presente) fazem rir e a realidade (da vida pós-morte) faz chorar”.

Nota(s) Explicativa(s)

01Sobre o Autor: Edson Roberto do Amaral – É Coronel da Polícia Militar do Estado de São Paulo. Doutor em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública pelo Centro de Altos Estudos de Segurança “CEL PM NELSON FREIRE TERRA”. Atualmente, Diretor de Acervo e Pesquisa do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro [CCDPE – ECM]
02OLIVIERE, Fábio. Mentor Tik-Tok. [vídeo]. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=FZUqP9jGgfw [Canal AMIGOSDALUZ.COM/APOIO]. Acesso em 21 Abr 2021.
03Mentor Tik-Tok tem o Roteiro e edição: de Fábio de Luca. Produção, Direção e Arte: de Fábio Oliviere. Elenco: Carla Guapyassu e Fábio de Lucca.
04KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Médiuns [Identidade dos Espíritos – n. 266]. 6. ed. São Paulo: FEESP, 2002. p. 301.
05KARDEC, Allan. Revista Espírita: Jornal de estudos psicológicos – Ano primeiro – 1858. Apresentação da FEB. 3 ed. Rio de Janeiro: Federação Espírita Brasileira, 2004. p. ___.
06KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo. Preâmbulo. 75ª ed. São Paulo: Instituto de Difusão Espírita, 2009. p. 10.
07DENIS, Léon; CIRNE, Leopoldo [tradutor]. No Invisível – Espiritismo e Mediunidade. 16. ed.  Brasília: FEB, 1995. p. 9 e 10.
08DIAS, Haroldo Dutra (Trad.). O Novo Testamento/tradução de Haroldo Dutra Dias. [João 8:32] 1. ed. Brasília: FEB, 2016. p. 423
09P. Russell; ALMEIDA, João Ferreira de [tradutor]. Biblia Shedd [Mateus 5:4]. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Vida Nova; Brasília: Sociedade Bíblica do Brasil, 1997. p. 1333.
10DENIS, Léon; CIRNE, Leopoldo [tradutor]. No Invisível – Espiritismo e Mediunidade. 16. ed.  Brasília: FEB, 1995. p. 11.
11KARDEC, Allan; PIRES, José Herculano. O Livro dos Médiuns. Introdução. 6. ed. São Paulo: FEESP, 2002. p. 10.
12KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Médiuns [Identidade dos Espíritos – n. 266]. 6. ed. São Paulo: FEESP, 2002. p. 301.

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