Deus quer. Jesus está no comando. Tudo dará certo se Deus quiser. Essas e outras tantas expressões são comuns no dia a dia e, em épocas como a atual, ganham força, como uma nota de esperança em um futuro melhor. Mas será que é tão simples assim? Será que acreditar nisso nos torna melhores e nos mostra caminhos?
Naturalmente os cristãos – e eu me incluo nesse grupo – têm Cristo como modelo. Para os espíritas – e eu também estou inserida nesse conjunto –, o modelo crístico está claramente definido nas obras básicas e na Revista Espírita. Apenas para citar dois exemplos, na Introdução de O Livro dos Espíritos, no item VIII, Kardec afirma que “o Espiritismo não encerra uma moral diferente daquela de Jesus”; e, na questão 625, recebe “Vede Jesus” como resposta à interrogação: “Qual o tipo mais perfeito que Deus ofereceu ao homem, para lhe servir de guia e modelo?”
E como em nossos exemplos, Jesus, de verdade, está no leme. Mas essas frases-feitas (clichês) merecem mais atenção do que usualmente lhes damos ao repeti-las automaticamente. Afirmar “alguém está no comando” é transferir responsabilidade e nos eximir do uso de nosso livre-arbítrio, e é possível que o receptor da mensagem tenha a impressão daquele “alguém” poder resolver tudo, ser “o salvador”.
Deus está no comando por ser a “causa primária, inteligência suprema”, como bem explicitado na questão 1 de O Livro dos Espíritos. Esse “comando” é expresso na Lei Natural (ou Divina) que age igualmente sobre todos os seres encarnados e desencarnados em âmbito universal. Jesus está no comando porque nos mostra o caminho para nossa evolução. Ele mesmo teria assumido essa posição, segundo João, ao dizer, em 14,6: “Sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vem ao Pai senão por mim”.
Nessa declaração, Jesus colocou outra informação fundamental: a de “ninguém vem ao Pai senão por mim”, confirmando sua superioridade moral e comprovando sua condição espiritual elevada, pois já estar próximo a Deus, como Espírito puro, atendendo as características expressas também em O Livro dos Espíritos, na pergunta 112.
Como espírito da primeira ordem, Jesus estimula-nos a liderarmos nossas vidas. Orientações como “Vá e não erres mais”, conclamam-nos à ação efetiva e permanente. No Sermão do Monte, a recomendação explícita é para buscarmos primeiramente o Reino de Deus, que tudo mais nos será acrescentado (Mt 6,24), ou seja, que ajamos em benefício de nossa evolução para também nos tornarmos lemes para outras pessoas, mostrando o caminho, exemplificando, contribuindo para se aperfeiçoarem.
Deus, via suas próprias leis, impulsiona-nos ao progresso, sempre, e pelo livre-arbítrio nos permite tornar o caminho mais ou menos longo. Jesus está no comando, como modelo a ser seguido, mas cada um de nós tem as rédeas da própria evolução. Temos ainda uma série de benfeitores, amigos e membros de uma família espiritual que nos amparam espiritualmente. Mas nada disso será percebido por nós se não fizermos a nossa parte: investir efetivamente em nosso desenvolvimento moral, contribuindo para a construção de um mundo que pode ser melhor desde já.
Uma das possibilidades é mudarmos nossa disposição moral, lembrando que tudo é atitude e ação no Universo e que mesmo na Terra os bons são maioria, como nos garante a equipe do Espírito Verdade em O Livro dos Espíritos, na questão 932: Por que, neste mundo, os maus exercem geralmente maior influência sobre os bons?, perguntou Kardec. E a resposta é instigante: – Pela fraqueza dos bons. Os maus são intrigantes e audaciosos; os bons são tímidos. Estes, quando quiserem, assumirão a preponderância.
Frente a essa provocação, o controle está nas mãos dos que se expõem e se envolvem, mesmo ainda não sendo Espíritos totalmente focados no bem. Para que os que buscam o bem e a evolução assumirem o controle, precisarão reconhecer que ser humilde, fraterno e caridoso exige postura e comprometimento frente ao que envolve preconceito, desigualdade, estimula privilégios e torna uns diferentes dos outros, como é visto na sociedade atual.
O bem, a moral, a caridade, o amor, a fraternidade, a tolerância, assim como todas as virtudes, dependem de atitudes, de ações efetivas, de atividades e movimentos. O bem é ativo, porque como está ressaltado em vários livros da Codificação, não fazer o bem já é fazer o mal. Apenas em O Livro dos Espíritos, sem grande esforço, encontram-se várias referências. Aqui vão duas, apenas como lembrete: Aquele que não pratica o mal, mas que se aproveita do mal praticado por outrem, “torna-se participante dele’ […] e se serve-se da ação praticada “é porque a aprova e a teria praticado se pudesse ou se tivesse ousado (LE, 640); e Não basta que o homem não pratique o mal; “é preciso fazer o bem no limite de suas forças, pois cada um responderá por todo mal que tiver ocorrido por causa do bem que deixou de fazer” (LE, 642).
O convite é claro e o momento é agora! Confiemos e avancemos juntos, buscando o bem no outro e na sociedade onde estamos inseridos!
Katia Penteado
Jornalista, diretora de Cultura e Estudos Espíritas do CCDPE-ECM
One thought on “Quem de fato comanda o dia a dia do ser humano?”
adorei! essa é uma questão recorrente, né? e desde pequena meu pai diz que “tá na fitinha”, muito na linha de que existe um destino, um fado…. o que não é de todo refutável já que Jesus tinha seu caminho escrito muito antes… e a própria definição de Deus dificulta aceitar que existe de fato um livre arbítrio (se ele é amor, tudo pode, tudo sabe, como existe mal? como existe livre arbítrio se ele já sabe o que eu vou escolher?)… sem contar que colocar tudo num texto fica complicado pelos diversos níveis de entendimento de cada leitor… dá uma super conversa de boteco e se for com físicos então, de varar a noite!
Querida, que alegria falar com vc por aqui. Obrigada por seu carinho. Realmente, são assuntos que valem horas de papo. E com vc são sempre momentos hiper agradáveis. O que se chama destino é o grandioso: seremos puros, chegaremos à mesma condição de Jesus. No nossa estágio evolutivo, o livre-arbítrio serve para as pequenas decisões do dia a dia, que são as que tornam cada caminho diferente do caminho do outro… mas como falamos, são horas de bate-papo… bjs
Prezada Kátia,
Seu texto é um instigante convite a que nos filiemos à moral autônoma sugerida pelo espiritismo. Ao contrário dos comportamentos heterônomos, em que somos comandados por vontades e regulamentações externas, tocados pelo medo e pela culpa. Livre-arbítrio e vontade são os recursos que a Vida nos oferece para que conquistemos novos patamares de evolução.
Salomão, prazer imenso dialogar com você. Escrevi exatamente o que penso e o que acredito e tento vivenciar em meu dia a dia. Para mim, a vida é uma experimentação de autonomia, exercício que me leva `\as vezes por caminhos menos agradáveis, mas que me ensinam muito… eu costumo dizer que cada um de nós é o próprio tubo de ensaio de suas experimentações! Kardec é Razão, diz um amigo que temos em comum, né, Wilson Garcia? Kardec define Espiritismo como a fé racionada.. Autonomia exige raciocínio e fé, no sentido de acreditar e ir em frente. Muito obrigada por sua atenção!
Olá minha querida. Adorei seu texto, como sempre, bom que se diga. Gosto de imaginar que nosso caminho, em modos gerais está traçado, não como uma linha, mas como uma faixa larga, em que as decisões que tomamos nos levam as ser mais efetivos ou mais dispersos na evolução. Parabéns e um grande abraço.