Edson Roberto do Amaral………. [1]
Marlene Alves Fernandes……….. [2]
“…a influência moral do médium age algumas vezes sobre a transmissão dos nossos despachos de além-túmulo e o perturbam, porque somos obrigados a fazê-los atravessar um meio contrário […] Mas onde a influência moral do médium se faz realmente sentir é quando este substitui pelas suas ideias pessoais aquelas que os Espíritos se esforçam por lhe sugerir. É ainda quando ele tira da sua própria imaginação, as teorias fantásticas que ele mesmo julga, de boa-fé, resultar de uma comunicação intuitiva.” [Erasto] [3]
Quando revisitamos as páginas da História que serviram de base para a consolidação do Espiritismo, comumente, realçamos os incontáveis casos de manifestações mediúnicas, mas, em verdade, esses relatos antecedem, em muito, à própria história do Cristianismo.
Vamos encontrá-los na longa trajetória do povo Hebreu e nos mais recuados tempos da história das civilizações, de que hoje somente fazemos pálida ideia do que foram, através dos fragmentos coletados pelos antropólogos e pelos historiadores.
O autor Henrique Neyde Gimênez foi altamente inspirado ao compilar vários desses casos na obra “A Mediunidade na Bíblia”. Não se trata de uma narrativa da história religiosa, mas um desfilar de registros históricos que ligam o passado ao presente, por meio da mediunidade, demonstrando que a espiritualidade amiga sempre se fez atuante junto à humanidade: – ora orientando, ora movimentando as massas; mas e sempre propulsionando o seu progresso.
“E ordenou o Senhor Deus ao homem dizendo: De toda árvore do jardim comerás livremente [no que o autor destaca que] Essa é a primeira vez na Bíblia em que Deus se dirigiu ao homem. Mas não diz por qual modo. Viva voz? Através de terceiros? Por escrito? Aparição? Sonho? [4]” – escreve Henrique. De fato, as perguntas eram muitas e coube aos Espíritos do Senhor aproveitar a sucessão dos séculos para trazer as respostas, fundamentadas em incontáveis outras manifestações, as quais encontraremos no Antigo e no Novo Testamento, e em outros livros considerados sagrados, nas mais variadas crenças.
Em verdade, muitas transformações vieram com o passar dos tempos e o que hoje entendemos como civilização nada mais é do que o resultado de muitos fatores que aconteceram durante a história do mundo, incidindo sobre as culturas e os costumes dos povos.
Ainda assim, apesar dos esforços de antropólogos e historiadores para a reconstrução da História, estes se viam delimitados pela pulverização dos dados, ao longo das eras sem-fim, fazendo com que muito do ocorrido nessa trajetória, simplesmente, desaparecessem para a humanidade.
Mas estava reservado para o século XIX toda uma revolução sobre a face da Terra, e nas palavras de O Espírito de Verdade “Os Espíritos do Senhor, que são as virtudes dos Céus, como um imenso exército que se movimenta ao receber a ordem de comando, espalhando-se por toda superfície da Terra, e semelhantes às estrelas cadentes, vêm iluminar os caminhos e abrir os olhos aos cegos”. [5]
Sob a direção de O Espírito da Verdade, no mundo espiritual, e de Allan Kardec, junto aos encarnados, surgia para a humanidade a Doutrina Espírita, em meados do século XIX, cumprindo-se, assim, a promessa de Jesus registrada no evangelho de João: “Tenho vos falado essas [coisas], enquanto permaneço junto a vós, mas o Paracleto, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas [as coisas] e vos lembrará todas [as coisas] que vos disse.” [6]
A partir de então, os homens passam a ser coadjuvantes ante os Espíritos que traziam as vozes dos Céus anunciando que “os tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal chegaram e que, sendo os mensageiros de Deus e os agentes de sua vontade, sua missão é instruir e esclarecer os homens ao abrir uma nova era para a regeneração da humanidade”. [7]
Moisés havia sido o profeta da primeira Revelação: a revelação da Fé em um único e soberano Deus. Jesus foi o emissário da segunda Revelação: a revelação do Amor. Ao Espírito da Verdade coube a terceira Revelação: a revelação da Verdade, que, auxiliado por uma falange de Espíritos Superiores, abriu uma Nova Era para a humanidade e levantou o véu que encobria a realidade da vida espiritual, restabelecendo a verdade em muita coisa que havia sido descaracterizada na construção da Fé, pela ausência de racionalidade, ao longo dos séculos, porque chegados os tempos, não mais a verdade poderia coabitar com os dogmas, os mitos e as fantasias.
Com a chegada da Doutrina Espírita, a humanidade não só se beneficiou com a luz da instrução, que rompia um véu de trevas e lhe preparava o futuro, como também com as informações, que lhe explicavam o passado. Um passado que não só nos remetiam aos mais recuados tempos das civilizações (e deles só fazíamos pálida ideia do que foram), como também ao conhecimento sobre outros planos de vida, de onde muitos Espíritos vieram habitar na Terra, como relata o Espírito Emmanuel, através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier, no livro A Caminho da Luz: “Foi assim que Jesus recebeu, à luz do seu Reino de Amor e de Justiça, aquela turba de seres sofredores e infelizes […] que deixavam atrás de si todo um mundo de afetos […] e trabalhariam na Terra acariciados por Jesus e confortados na sua imensa Misericórdia.” [8].
Não eram almas missionárias; eram almas desventuradas em busca de sua transformação, “nos campos imensos de luta que se desdobravam na Terra”. [9]
E como a Doutrina Espírita, na voz dos Espíritos, transcendia aos limites temporais e espaciais, na Terra, a humanidade não só pôde lançar o olhar para o seu futuro na vida Espiritual, como, também, para o seu próprio passado.
A Mediunidade, bem compreendida, se levantou como a melhor ferramenta para que os Espíritos pudessem trazer o testemunho de seu próprio passado e da humanidade, como se vê nesse já referido livro, A Caminho da Luz – a História da civilização à luz do Espiritismo, que se propõe trazer a sua contribuição “…à tese religiosa, elucidando a influência sagrada da fé e o ascendente espiritual, no curso de todas as civilizações terrestres”. [10] A partir de então muitas manifestações, categorizadas como fenômenos inexplicados, deixaram de ser exclusividade dos santos ou atribuídos aos demônios.
Mas os Espíritos do Senhor, como vozes dos Céus, não se propunham apenas explicar o passado das civilizações, pois era ao futuro que se projetava o olhar (e a curiosidade) dos homens; e foi através da Lei da Reencarnação, então apresentada à humanidade, que muitos fatos, do passado, foram justificados por uma racionalidade que os explicavam a partir da Lei de Justiça, Amor e Caridade. [11]
Agora, não mais fazer o bem ou ceder ao mal eram questões meramente de fé, porque a Lei da Reencarnação depositava nas próprias mãos do homem a sua felicidade, ou não.
O Céu e o Inferno, pintados e declamados desde eras longínquas, deixaram de ser privilégio para uns e castigo para outros. Agora, cada um se tornava o grande artífice do seu Céu ou do seu Inferno, da sua alegria ou da sua tristeza, da sua felicidade ou da sua infelicidade.
Mesmo para o século XIX, que herdava as benesses culturais do “século das luzes”, tamanhos conhecimentos eram por demais transcendentes para caber na mente humana; assim, foi através do testemunho dos próprios Espíritos, relatando o seu presente, como consequência do seu passado, que a Justiça de Deus e sua Misericórdia se fizeram mais compreensíveis para todos.
Pelas portas da mediunidade, os relatos chegavam com tal colorido e vivacidade que não restavam mais dúvidas! Para ninguém mais restaria o fogo eterno por seus erros e para ninguém mais as benesses de um céu de glórias, sem os testemunhos de uma vida honrada, uma vida de sacrifícios, uma vida de superação. Uma vida em que os tropeços transitórios de momentos vividos, não fazem a sentença dos sofrimentos eternos para ninguém, porque, desde então, todos estávamos alcançados pela Misericórdia de Deus, que reflete o seu Amor infinito para com toda sua criação.
E o aproveitamento das benesses de um céu de glórias começa aqui mesmo, na Terra, onde o homem deve fazer o melhor para si e para o outro: se burilando, se esforçando para extirpar os vícios, as más tendências, e fortalecer as virtudes. Deus, em sua infinita bondade, oportuniza a todos as condições necessárias. A transformação moral é o caminho…
Ao falarmos de transformação moral impossível se nos apresenta não revisitarmos as páginas do Livro Paulo e Estevão, de autoria do Espírito Emmanuel, psicografado pela mediunidade de Francisco Cândido Xavier.
Não se trata de mais um livro da vida do Apóstolo dos Gentios, antes, por um lado, se constitui em mais um dos muitos esforços da espiritualidade superior no sentido de auxiliar a humanidade na sua transição de uma condição de provas e expiações para a regeneração; e, por outro lado, é uma prova viva do que pode o homem fazer quando crê em Deus e movimenta as forças do Espírito Imortal para se transformar. E nada melhor que rememorar passagens sublimes dos tempos apostólicos apresentando a “figura do cooperador fiel, na sua legítima feição de homem transformado por Jesus Cristo e atento ao seu divino ministério”. [12] (grifo nosso)
Para muitos, Paulo de Tarso é o símbolo de um homem santificado, que lhe assegurou a justa denominação de O Apóstolo dos Gentios, mas, optamos por vê-lo a partir das palavras do benfeitor espiritual Emmanuel: “a figura de um cooperador fiel, na sua legítima feição de homem transformado por Jesus-Cristo e atento ao divino ministério.”[13] (grifo nosso). Um homem que teve a coragem de reconhecer os erros e buscou as forças para se levantar, sendo, portanto, mais do que justo categorizá-lo como um dos mais dignos de se “recordar as lutas acerbas e os ásperos testemunhos de um coração extraordinário, que se levantou das lutas humanas para seguir os passos do Mestre, num esforço incessante” [14].
Isso é o que, verdadeiramente, caracteriza o que haveremos de chamar: Reforma íntima.
Uma reforma que não é dádiva que cai do céu para alguns eleitos, mas o resultado de laboriosos esforços para adquirirmos virtudes e eliminarmos as nossas imperfeições morais.
Os cientistas foram hábeis para retratar com apreciável detalhamento as muitas transformações que ocorreram no orbe terrestre e os historiadores foram pródigos para retratar a longa trajetória das civilizações na Terra, porém, poucos foram os que conseguiram enxergar as grandes transformações individuais, como produto dos grandiosos esforços para uma mudança interior.
Paulo de Tarso não foi o único e, certamente, em maior ou menor escala, poderemos encontrar outros grandes exemplos; mas, poucos estiveram à altura da conversão de Saulo para Paulo.
E se os primeiros tempos do cristianismo foram dos mais ricos em exemplos de verdadeira Fé, os séculos XVIII e XIX foram dos mais apreciáveis para as Ciências, vez que muitos missionários reencarnaram, naquela época, e um deles foi o Sr. Hippolyte Léon Denizard Rivail (Allan Kardec).
Em meados do século XIX, surgia para a humanidade a Doutrina Espírita, tendo Allan Kardec como missionário encarnado e toda uma falange de Espíritos colaboradores, dos quais podemos citar alguns daqueles que se identificaram (muitos não o fizeram): São João Evangelista, São Vicente de Paulo, São Luís, Sócrates, Platão, Fénelon, Franklin, Swendenborg, O Espírito da Verdade, Santo Agostinho etc. Exceção feita ao Espírito da Verdade, todos os demais são conhecidos e renomados na Terra, mas não é pelo seu renome que os destacamos aqui, e sim por seus testemunhos de amor e fidelidade às ciências, à filosofia e à religião.
Viveram junto aos homens, e com o surgimento da Doutrina Espírita continuaram seus esforços, por uma humanidade melhor, demonstrando que os nobres projetos que iniciaram, ou deles foram participantes quando na Terra, prosseguiram com eles além da morte, e que, na verdade, não eram projetos pessoais deles, mas sim uma pequena fatia de um programa de Deus, que tem Jesus à frente dessa humanidade. Por isso, em variados campos do conhecimento eles se fizeram presentes e atuantes junto aos homens.
Alguns traziam profundos vínculos com a religião, como é o caso de São Vicente de Paulo e Santo Agostinho. [15] Este último, aliás, subscreve uma das mais reluzentes mensagens sobre o Conhecimento íntimo, quando foi arguido por Allan Kardec sobre qual o meio mais eficaz de alcançarmos o conhecimento de si mesmo! Dele é a resposta:
– Fazei como eu fazia quando estava na Terra: no fim de cada dia, interrogava a minha consciência, passava em revista o que havia feito e me perguntava se não havia faltado com o dever, se ninguém tinha do que se queixar de mim. Foi assim que consegui me conhecer e ver o que havia para reformar em mim…” [16] (grifo nosso) [Santo Agostinho]
A resposta por si só dispensaria comentários, mas Allan Kardec, por sua vez, julgou oportuno realçar a seguinte explicação:
“Muitas falhas que cometemos nos passam despercebidas. Se, com efeito, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais frequentemente a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem disso nos apercebermos, por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos…”. [17]
Em verdade, não existe transformação moral sem o autoconhecimento, o conhecimento íntimo; grande parte dos erros e das falhas que cometemos, sejam os intencionais ou não-intencionais, nascem da falta de hábito de sondar a nossa consciência para identificar o móvel das nossas ações.
Sábia, portanto, a assertiva que considera que o homem é mais ignorante do que perverso.
Sábia, sem dúvida, mas, que somente após os Espíritos apresentarem para a humanidade uma Doutrina que trazia por Princípios o conhecimento e a demonstração da anterioridade da vida e a reencarnação (dentre outros) é que ficou muito mais clara a compreensão racional (não impositiva) da assertiva de que o homem é mais ignorante do que perverso. E toda ignorância é sempre uma fragilidade, que se aproveitam os adversários do bem e os antagonistas da verdade.
Mas um longo caminho foi traçado até que se conseguisse chegar a essa conclusão, ou seja, de que o mal não é uma exclusiva consequência do meio e nem reside na carne.
Sabe aquela frase? “A carne é fraca!”
Pois bem, não resistiu ao que a Doutrina Espírita apresentava para a humanidade.
Aliás, a própria Ciência perseguiu a investigação da origem do mal no homem, e muito justo nos parece reservar um destaque para o eminente cientista Cesare Lombroso.[18]
Conhecido como o “pai da Antropologia Criminal” e autor da conhecida obra “O Homem Delinquente”, de 1876, era uma das maiores autoridades das Ciências e dentre as várias ideias inovadoras, para a época, aliou o crime a questões genéticas, vinculadas a questões hereditárias.
Manteve-se crente nesta visão do homem e do mundo, até o momento em que conheceu o Espiritismo e converteu-se à teoria Espírita. A partir de então suas teorias revelavam-se, para si mesmo, desconexas e inconsistentes, ao que, então, assumiu seus erros e tornou-se um defensor do Espiritismo na Itália de seu tempo. Deixou um legado em várias áreas do conhecimento para estudos das Ciências Antropológicas, psicológicas, médicas e espirituais.
A partir da compreensão dos Princípios da Doutrina Espírita já não era mais possível crer-se que, no cometimento dos crimes, o homem fosse vítima de circunstâncias hereditárias.
Realçamos tudo isso para demonstrarmos os longos e sinuosos caminhos das ciências, que levaram à compreensão do Espírito, como o que transcendia o homem carnal, algo que inaugura para a humanidade uma nova era de observação, análise e interpretação dos fatos inerentes à vida humana na Terra.
Estava apresentada para a Humanidade a Ciência Espírita, aquela que nas palavras de Allan Kardec, “é uma ciência de observação e uma doutrina filosófica”. [19] Uma doutrina que, como filosofia, se propõe a estudar e analisar todas as consequências morais decorrentes das ações praticadas pelo Espírito na sua trajetória evolutiva. E são essas consequências morais que melhor justificam a frase “Conhece-te a ti mesmo” [20] e a assertiva de Santo Agostinho de que
“o conhecimento de si mesmo é a chave do melhoramento individual […] e quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, perguntai-vos como a qualificaríeis se fosse feita por outra pessoa; se a censurais nos outros, não poderá ser mais legítima em vós, porque Deus não tem duas medidas para a Justiça”. [21]
A reforma íntima é discurso de fácil narrativa nas tribunas de todos os credos, mas de difícil prática, no dia a dia, e não há verdadeira exteriorização dela sem a coragem de testá-la pondo o orgulho à prova, porque no dizer de Allan Kardec “…todas as imperfeições morais são portas abertas aos maus Espíritos. Mas a que exploram com mais habilidade é o orgulho, porque é o que a criatura menos reconhece em si…” [22] (grifo nosso)
Daí a mais absoluta pertinência do que recomenda Santo Agostinho: “Procurai, assim, saber o que os outros pensam, e não negligencieis a opinião dos opositores, porque estes não têm nenhum interesse em dissimular a verdade”. [23] (grifo nosso)
Não há maior prova ao orgulho do que a opinião dos opositores. É o melhor exercício de humildade, e poucos são os que têm a coragem de reconhecer os erros e reescrever a sua própria história, sem tentar justificar para si e dissimular para o mundo as faltas cometidas, quaisquer que sejam elas.
Por certo que muitos não se conhecem a si próprios, tanto quanto, adormecidos nas ilusões do mundo material, muitos não fazem questão de conhecer-se. E sem isto, na métrica apresentada por Santo Agostinho, não há verdadeira reforma íntima!
É por isso que não encontramos melhor referência para justificar a lembrança que fizemos de O Apóstolo dos Gentios do que as palavras do benfeitor espiritual Emmanuel quando diz:
“A figura de Paulo avulta muito mais aos nossos olhos [porque] ele ouviu [o chamado do Cristo] negou-se a si mesmo, arrependeu-se, tomou a sua cruz e seguiu o Cristo até o fim de suas tarefas materiais. Entre perseguições, enfermidades, apodos, zombarias, desilusões, deserções, pedradas, açoites e encarceramentos, Paulo de Tarso foi um homem intrépido e sincero, caminhando entre as sombras do mundo, ao encontro do Mestre que se fizera ouvir nas encruzilhadas da sua vida […] O Mestre chama-o, da sua esfera de claridades imortais. Paulo tateia na treva das experiências humanas e responde: – Senhor, que queres que eu faça? Entre ele e Jesus havia um abismo, que o Apóstolo soube transpor em decênios de luta redentora e constante”. [24]
Todos temos a nossa “Estrada de Damasco” e todos somos visitados pelo chamado de Jesus. Mas revisitar, diariamente, a nossa consciência, como recomenda Santo Agostinho e ter a coragem de negarmo-nos, arrepender-nos, tomarmos a nossa cruz e perguntarmos a Jesus: “Senhor, que queres que eu faça?”, sem olharmos mais para trás (para o atrás do nosso presente), ainda é para poucos, neste mundo de provas e expiações.
Mas é um caminho necessário e impostergável nesse período de transição para uma Nova Era nessa humanidade.
Aprender a negar-se, em mediunidade, é lição de primeira ordem para os voos das grandes reconstruções interiores em nossa alma, que por outro nome também poderemos denominar como renunciar. E neste sentido, sempre oportuna se apresenta a orientação do instrutor espiritual Alexandre quando assevera que, na esfera da mediunidade, “ver sem compreender ou ouvir sem discernir pode ocasionar desastres vultosos ao coração [daí a necessidade das] construções silenciosas da renúncia, do trabalho de cada dia no entendimento de Jesus-Cristo, da paciência, da esperança, do perdão, que se efetuam portas adentro da alma, no grande país de nossas experiências interiores.” [25] (grifo nosso)
A citação evangélica é de que “ninguém coloca remendo novo em roupa velha” [26], do que decorre que transformar é um verbo obrigatório na cartilha da evolução moral.
A transformação da Terra tem sido um caminho longo e sinuoso, e como demonstra a Ciência, muito rápido nos tempos atuais, mas a transformação moral do homem tem sido um caminho não menos longo, não menos sinuoso e muito dolorido, e que se projeta além da vida, no ciclo das reencarnações, como sói demonstrado pela Ciência Espírita, em especial, através da Mediunidade, por meio da qual os próprios Espíritos nos trazem o testemunho vivo de suas venturas e de suas decepções, de suas felicidades e de seus sofrimentos.
Um processo de transformação, alicerçado no autoconhecimento, e que, além de lento e gradual, envolve várias ações: conscientização da transformação (saber quais são as nossas potencialidades e o seu desempenho prático, para uma melhor relação com nós mesmos, com o outro, com a comunidade e com o Universo); não falsear a verdade (sermos sinceros conosco e com o outro); romper com padrões comportamentais; buscar no Evangelho as novas bases de atuação; priorizar a melhoria espiritual; ser persistente nas ações transformadoras; operar como homem de bem e, sobretudo, empregar esforço e vontade de mudar. Neste sentido, devemos estar muito atentos ao que consideramos esforço e vontade, pois a resposta dada a Allan Kardec, na questão 909, é muito contundente:
“O homem poderia sempre vencer suas más tendências pelos seus esforços?
R – Sim, e, algumas vezes, por fracos esforços. É a vontade que lhe falta. Ah! Quão poucos dentre vós fazem esforços! [27] (grifo nosso)
E enquanto essa transformação não ocorre, o que podemos fazer com nossas más tendências?
Podemos domá-las, mantê-las sob controle, exercitar dia após dia seguindo os ensinamentos de Santo Agostinho, porque só com a prática, e mais atentos aos nossos pensamentos, palavras e ações, conseguiremos nos conhecer e nos transformar para melhor.
Como disse Neio Lúcio: A purificação dos sentimentos verifica-se, tão somente, no cadinho doloroso dos séculos [28]. E sem purificação dos sentimentos, não existe mediunidade sublimada!
Contudo, não podemos desanimar em razão do tempo (não aproveitado), porque cabe-nos envidar todos os esforços buscando o aprimoramento moral, e nos conscientizarmos de que somos responsáveis e herdeiros de nossas próprias construções, as quais incidem sobre nós e sobre o próximo – seja ele o encarnado ou o desencarnado. Na queda ou na vitória, a responsabilidade é sempre nossa. A luta é conosco mesmo, em procurar reconhecer, conhecer, sentir, e por fim, transformar o que não está bom, o que nos incomoda e não satisfaz o outro; nos libertando, aos poucos, de nosso egoísmo e de nosso orgulho.
A mediunidade exercida sem a transformação moral, é sempre um caminho mais sinuoso, largo e de resultados duvidosos.
A mediunidade exercida com a transformação moral, é sempre um caminho mais difícil, mas sem atalhos e de resultados certos.
Como vê-se, na trajetória da vida, os caminhos são muitos, mas os tempos são chegados e a hora das decisões (e correções) apresentam-se com eles, em que Jesus, mais uma vez, nos chama na nossa “estrada de Damasco” e espera que, desta feita, possamos responder-lhe, com a indagação:
– Senhor, o que queres que eu faça!
Referência(s) Bibliográfica(s) e/ou
01 Nota Explicativa sobre o Autor: Edson Roberto do Amaral – É membro do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro [CCDPE – ECM], onde atua na Diretoria de Acervo e Pesquisa. Também é membro da União das Sociedades Espíritas de São Paulo, da Regional SP, onde atua no Departamento da Mediunidade. É dirigente do Grupo de Estudos Espíritas Aprendizes da Fraternidade, em São Paulo.
02 Nota Explicativa sobre a Coautora: Marlene Alves Fernandes – É membro do Centro de Cultura, Documentação e Pesquisa do Espiritismo – Eduardo Carvalho Monteiro [CCDPE – ECM], onde atua na Diretoria de Acervo e Pesquisa e na Diretoria Administrativa.
03 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Médiuns [it. 228]. 6. ed. São Paulo: FEESP, 2002. p. 259.
04 GIMÊNEZ, Henrique Neyde. A Mediunidade na Bíblia. 1. Ed. São Paulo: FEESP, 1996. P. 124-125
.05 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Evangelho Segundo o Espiritismo [Prelúdio]. 17. ed. São Paulo: LAKE, 2005. p. 11.
06 DIAS, Haroldo Dutra (Trad.). O Novo Testamento/tradução de Haroldo Dutra Dias. [João 14:25-26] 1. ed. Brasília: FEB, 2016. p. 447
07 KARDEC, Allan; SILVA, Renata Barbosa da [trad.]. O Livro dos Espíritos [Princípios Básicos]. __. ed. São Paulo: PETIT, 2014. p. 41.
08 XAVIER, Francisco Cândido [Espírito Emmanuel]. A Caminho da Luz – a História da civilização à luz do Espiritismo. 38. ed. Brasília: FEB, 2018. p. 29
09 Ibidem
10 XAVIER, Francisco Cândido [Espírito Emmanuel]. A Caminho da Luz – a História da civilização à luz do Espiritismo. 38. ed. Brasília: FEB, 2018. p. 07
11 Nota Explicativa: Allan Kardec reservou todo um capítulo de O Livro dos Espíritos [Cap. 11, da 3ª Parte – Leis Morais] para tratar desse assunto
12 XAVIER, Francisco Cândido [Espírito Emmanuel]. Paulo e Estevão – Episódios Históricos do Cristianismo Primitivo [Breve Notícia]. 39. ed. Brasília: FEB, 2003. p. 07
13 Ibidem
14 Ibidem
15 Nota Explicativa: Santo agostinho viveu entre os anos 354 – 430 d.C e é considerado por muitos o patriarca mais importante da Igreja. Nasceu no norte da África, de pai pagão e mãe cristã. Quando jovem adulto, era um seguidor dos ensinamentos pagãos gregos. Porém foi tocado por sermões de Ambrósio e, mais tarde, foi estimulado por uma voz a ler Romanos 13:13,14, o que o levou à fé salvadora. Agostinho passou a adotar um estilo de vida muito simples, vendendo todos os seus bens e dedicando seus dons a Jesus. Ele foi nomeado presbítero da igreja de Hipona no ano 391 e elevado a bispo quatro anos depois. Agostinho se tornou o líder espiritual da Igreja Ocidental; seus ensinamentos podem ser encontrados em seus numerosos tratados, sermões e em A cidade de Deus, escrito em resposta ao saque de Roma no ano 410 d.C. Informações disponíveis em https://paodiario.org.br/publicacoes/dia-a-dia-com-os-pais-da-igreja/agostinho/?gclid=Cj0KCQjwxJqHBhC4ARIsAChq4avkc7hSymxQy7nvn7mMaHUH3h4_5UyPjyjFssfygO-qHviqARqOY-0aAuCBEALw_wcB . Acesso em 11Jul2021
16 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Espíritos [Questão 919.a]. 61. ed. São Paulo: LAKE, 2000. p. 303.
17 Ibidem.
18 Nota Explicativa: Cesare Lombroso nasceu na Itália, em 06 de novembro de 1835, e morreu aos 73 anos, no dia 19 de outubro de 1909. Formado em medicina, era cirurgião e psiquiatra, higienista, criminologista e Antropólogo.
19 KARDEC, Allan; GENTILE, Salvador [trad.]. O Que é o Espiritismo. 75. ed. São Paulo: IDE Editora, 2009. p. 10.
20 Nota explicativa: “Conhece-te a ti mesmo” é uma frase comumente atribuída ao grande filósofo grego Sócrates (479 – 399 a.C.), mas que, embora a ele atribuída, na verdade, o que se sabe é que referida inscrição se via na entrada do Oráculo de Delfos.
21 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Espíritos [Questão 919.a]. 61. ed. São Paulo: LAKE, 2000. p. 303.
22 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Médiuns [it. 228]. 6. ed. São Paulo: FEESP, 2002. p. 259.
23 Ibidem
24 XAVIER, Francisco Cândido. Paulo e Estevão – Episódios Históricos do Cristianismo Primitivo [Breve Notícia]. 39. ed. Brasília: FEB, 2003. p. 08 e 09.
25 XAVIER, Francisco Cândido [ditado pelo Espírito André Luiz]. Missionários da Luz. [Mediunidade e Fenômeno]. 3 ed. Brasília: FEB, 2010. p. 112 e 113.
26 Nota Explicativa: Novo Testamento, Evangelho de Mateus, cap. 9, vs. 16.
27 KARDEC, Allan; PIRES, Jose Herculano [trad.]. O Livro dos Espíritos [Questão 909]. 61. ed. São Paulo: LAKE, 2000. p. 299.
28 XAVIER, Francisco Cândido [ditado por Neio Lúcio]. Sementeira de Luz [Mensagem nº 30]. Brasília: FEB, 2010.